ATA DA QUADRAGÉSIMA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 05.11.1991.

 


Aos cinco dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Quadragésima Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura. Às dezessete horas e vinte e oito minutos, constatada a existência de "quorum", o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada à entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo à Senhora Maria Elisa Carpi, concedido através do Projeto de Resolução nº 21/91 (Processo nº 1375/91), de autoria do Vereador Luiz Braz. A seguir, o Senhor Presidente convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Senhor Luís Carlos Lisboa, representando o Prefeito Municipal de Porto Alegre; Major Campos Júnior, representando o Comandante da 3ª Região Militar; Senhora Nair Tesser, Presidente do Conselho Estadual de Educação; Vereador Onorato Toniolo, Presidente da Câmara Municipal de Guaporé; Senhora Cléa Carpi da Rocha, Conselheira e ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Sul; Senhora Carla Carpi, Filha da Homenageada; Senhor Luís Fernando Veríssimo; Senhora Maria Elisa Carpi, Homenageada; e Vereador Luiz Braz, Secretário "ad hoc". Em continuidade, o Senhor Presidente convidou os presentes para ouvirem, de pé, o Hino Nacional. A seguir, o Senhor Presidente registrou as presenças, no Plenário, das Senhoras Edith Souza, Maria da Glória Bordini, Márcia Lima e Silva, Iara Silveira, Iris Gonçalves Lires da Costa, Nesi Marina Ramos, Tânia Cauduro, Rosa Maria Malheiros e dos Senhores Rodrigo, Fabrício e Miguel Carpi, Robeto Madri, Onorio Campos Peres, Nuno Carpena de Menezes, Jorge Mooge, Jaime da Silva e Luiz Antonio Assis Brasil, e, ainda, das Senhoras Antonieta Barrone e Isolda Paz. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Luiz Braz, em nome das Bancadas do PTB, PDT, PDS, PMDB, PCB e PL e como autor da proposição, discorreu sobre as obras poéticas escritas pela Homenageada fazendo um paralelo entre a poetisa e a jurista. Disse, ainda, ter sido através de Edith Souza a escolha do nome de Maria Elisa Carpi para o prêmio hoje entregue. O Vereador Antonio Hohlfeldt, em nome das Bancadas do PT e do PFL, falou sobre a história da literatura gaúcha, dizendo ser de uma mulher o primeiro registro de trabalhos nesta área e analisando o trabalho literário da Senhora Maria Elisa Carpi. Ainda, discorreu sobre os objetivos e as motivações do Prêmio Érico Veríssimo, hoje entregue pela Casa. Após, foi apresentada, por Patsy Cecato e Alex Medeiros, leitura dramática baseada na obra de Maria Elisa Carpi. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega, pelo Vereador Luiz Braz, do Diploma referente ao Prêmio Érico Veríssimo a Senhora Maria Elisa Carpi, e pelo Escritor Luiz Fernando Veríssimo, de lembrança contendo o brasão da Cidade, e concedeu a palavra à Homenageada, que agradeceu o Prêmio recebido. A seguir, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e trinta e seis minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Antonio Hohlfeldt e secretariados pelo Vereador Luiz Braz, Secretário "ad hoc". Do que eu, Luiz Braz, Secretário "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelo Senhor Presidente e por mim.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão.

Neste momento, convidamos todos os presentes para que, de pé, ouçamos a execução do Hino Nacional.

 

(Execução do Hino Nacional.)

 

Durante esta cerimônia falará pelas Bancadas do PTB, do PDT, do PDS, do PMDB, do PCB e do PL o Ver. Luiz Braz, que é o proponente da homenagem. E posteriormente este Presidente falará pelas Bancadas do PT e do PFL.

Nós teremos, também, atores para uma leitura dramática, seguindo-se, depois, à entrega, propriamente dita, da homenagem e, ainda, a participação de alunos do Colégio Langendorch, que se encontram aqui conosco, aos quais queremos dar as boas-vindas.

Antes de conceder a palavra ao Ver. Luiz Braz, proponente desta homenagem, queremos, ainda, registrar a presença do Dr. Jaime Paz da Silva, do Conselho Federal da OAB, no RS.

Com a palavra o Ver. Luiz Braz. 

 

O SR. LUIZ BRAZ: (Menciona os componentes da Mesa.) É com muita satisfação, que, nesta semana, foi um dos motivos de emoção para a minha filha, que foi fazer uma visita a sua casa, para fazer uma reportagem para a escola, e ela voltou encantada com a sua gentileza, e de sua família, ao ser recebida, então, meus cumprimentos, eu que já era seu fã, agora, fiquei mais ainda, por saber do modo como o senhor recebe as pessoas em sua casa. Muito obrigado. Senhoras, senhores, para mim é motivo de muita honra poder ter tido esta oportunidade de apresentar esta proposição homenageando a escritora Maria Carpi, e digo que o início de tudo estava na Vovó Edith que, com seus 70 e poucos anos, é uma das grandes líderes de toda uma comunidade e que, de repente, me apresentou os trabalhos da Drª Maria Carpi, e confesso, que, até então, não os conhecia, e ao entrar em contato com os trabalhos, disse, para a Vovó, que seria uma satisfação para mim, como Vereador, como representante da comunidade de Porto Alegre, poder apresentar esta proposição homenageando a quem tinha tanta sensibilidade para colocar no papel seus pensamentos. Alinhavamos algumas laudas, poucas, mas que acredito vão dizer exatamente aquilo que nós apreendemos com relação à poesia e à pessoa da Drª Maria Carpi.

Ninguém imaginava que a advogada Maria Carpi, ao conseguir tirar 17 menores da Penintenciária do Jacuí, em 1989, estava dando vazão à poesia através do cumprimento da justiça. Agindo como Curadora Especial da Defensoria Pública, numa época em que ainda não existia o Estatuto da Infância e Adolescência, Maria Carpi obteve um acórdão em Brasília, que livrou não apenas os 17 menores detidos no Jacuí, mas impediu que outros fossem mandados para lá. Pois considera que nunca se deve ferir a Justiça, nem mesmo em caráter emergencial, num indiscutível respeito aos direitos e à cidadania dos brasileiros. Talvez bem poucas pessoas saibam que aquela mulher, agindo com tamanha têmpera e senso de justiça, fosse uma senhora de profundíssima sensibilidade, capaz de abandonar-se na fragilidade extrema do exercício poético, que ela mesma chama de “essa força de não ter força”.

A mesma pessoa que luta com firmeza pela instalação definitiva da Defensoria Pública, para dar aos pobres o acesso à Justiça, nas mesmas garantias dos que possuem recursos para pagar um advogado, também exige prioridade para a instalação de Conselhos de Direito e Conselhos Tutelares para a infância e o adolescente no Estado. E também é Maria Carpi que integra a Fundação Brasileira para Infância e Juventude, assim como um fórum de estudo para a criação de oito juizados regionais para o menor infrator, cujo projeto já foi encaminhado ao governador.

Apaixonada confessa pela justiça e a verdade, Maria Carpi avisa que, para uma pessoa ser justa, às vezes é obrigada a ir contra a lei. Igual determinação e capacidade para enfrentamento foi demonstrada por outra Maria Carpi, há pouco desconhecida do grande público, quando ela decidiu queimar todas as obras poéticas de sua juventude, preservando apenas um caderno chamado “Noite de Sol”. A poesia que compõe sua obra, hoje, é fruto da maturidade. E seu único livro publicado até aqui, intitulado “Nos Gerais da Dor”. Agora o segundo livro será lançado na Feira do Livro, “Desiderium, Desideravi”. Editado o ano passado pela Movimento, foi suficiente para trazer à tona uma poetisa refinada e pronta. Cartas belíssimas de literatos consagrados chegaram à sua mesa, louvando sua aparição discreta e de brilho singular. Luís Antonio de Assis Brasil, por exemplo, classificou seu livro de “magistral”, declarando que seria injusto que outras obras de tamanha beleza ficassem na gaveta ao invés de serem repartidas com o mundo. Maria Carpi explicou que não se tratava de egoísmo ou timidez, mas apenas de uma “reserva poética”. Todavia, o surgimento de seus poetares não tem mais volta. Foram abertas as comportas literárias, e a poesia, que já era comportamento puro, agora dá-se ao mundo, também, ao correr da pena e na publicação da obra.

“Eu me sinto poeta desde criança”, comentou Maria, nascida Carpi na serrana Guaporé. De fato, sua maneira de ver as coisas, de entrar nos elementos, de criar empatias, fez de sua vida um louvor à terra e às pessoas simples. A mulher madura preserva a menina que foi rebelde nos primeiros anos de escola. “A palavra escrita, para mim, era pouca”, justifica ela. “Pela janela da sala de aula eu via o céu e os morros, a vida era muito maior lá fora”. Respirar poesia, raciocinar poesia, conduzir-se poeticamente, esta é a maior herança preservada e trazida para os dias de hoje sem perder a essência e o frescor dos verdes anos.

Jurista renomada por sua integridade e conquistas sociais significativas, Maria Carpi lecionou literatura e português durante 15 anos junto ao magistério secundarista, e ensinou mais quatro anos na Faculdade de Direito da PUC/RS. Mas pouquíssimas pessoas eram conhecedoras da poesia que estava sendo escrita ou gestada para florescer na maturidade. Com a publicação do primeiro livro, “Nos Gerais da Dor”, o último de uma obra de 15 volumes, chegou o Prêmio Revelação Crítica Paulista em 1990. E é com imensa felicidade que podemos anunciar, também, agora, o lançamento com sessão de autógrafos, do segundo livro editado de Maria Carpi. Seu título: “Desiderium Desideravi” (do latim para o português: Desejei o Desejo.) O evento terá lugar na banca de autógrafos da Feira do Livro deste ano, em Porto Alegre, no dia 7 de novembro. Enquanto isso outros 13 livros aguardam sua hora de ganhar o mundo e conquistar as infinitas estradas da sensibilidade humana. Em sua obra, Maria Carpi não trabalha sobre temas avulsos, mas sim sobre núcleos que a cativam e depois são orquestrados. No caso de “Desiderium Desideravi”, ocorre a permanente dialética do desejo e há uma integração, uma cosmogenia, com outros oito cantos: A Árvore, A Água, A Fruta, O Foco, A Luz, A Voz e A Pedra, que se dividem e se integram nos demais volumes.

“O poeta é aquela pessoa que vive intensamente; não só o que escreve, mas aquele que se conduz como se fosse uma escritura viva”. A essas palavras, Maria Carpi acrescenta que a poesia deve ser toda exercitada dentro da linha do ser e não do ter, reafirmando o senso de coletivo que diz ter recebido junto com o leite materno. Além disso, não separa a poesia da ética: numa época em que a inteligência é usada a serviço do poder, a poesia deve funcionar como um mecanismo libertador, de descobrimentos e renascimentos. No entanto, a maior prova de grandeza dessa mulher/poesia está no seu desprendimento. Se ela estiver escrevendo seu melhor poema, e alguém se aproximar para pedir ou perguntar alguma coisa, ela não se importa de largar o que está fazendo e de perder o mote. Porque o outro é mais importante. O poema que espere a poesia atendendo na outra forma.

Quando decidimos entregar o Prêmio Literário Érico Veríssimo a Maria Carpi, conhecíamos a fama da jurista, da mulher que faz da verdade e da justiça o parâmetro básico para trabalhar com as leis, e bem pouco da poetisa. Mas, ao lermos um pouco da sua obra, no livro “Nos Gerais da Dor”, percebemos que ali estava uma declaração de amor pela vida, uma extensão escrita em versos do que ela faz do seu dia-a-dia. A dor como poder revolucionário, criador, renovador. Essa maturidade não desfia apenas sentimentos destilados com sabedoria, mas expõe um conhecimento de forma que só o relógio do coração traz à luz sem perder a profundidade. Algumas das melhores bebidas, e das mais inebriantes, precisam de tempo para que possam ser degustadas com o abandono de uma primeira paixão. Certa vez, um escritor afirmou que um grande poema não é aquele que nós decoramos para recitar aos amigos mais íntimos, mas sim aquele que nos percorre de forma que nunca mais conseguimos esquecer a emoção provocada por sua leitura. A poesia de Maria Carpi é assim, confunde-se com sua criadora, cria e é criada constantemente.

Se estivesse vivo o inspirador deste prêmio, Érico Veríssimo com certeza faria coro conosco nesta homenagem. Porque Maria Carpi consegue, através de sua poesia, transcender a vida terrena. Os seus versos têm gosto de universo.

Mas nós escolhemos, aqui, alguns versos deste novo livro, eu não digo que seja um pré-lançamento, mas é alguma coisa que, quando nós estávamos lendo, nós víamos que naquele instante a poetisa estava dando tudo de si, estava revelando muito do seu interior. É por isso que eu vou apenas apanhar alguns desses versos quando ela diz assim: "qual das duas Marias, amor, amas mais? A que ingressou em ti, ou ainda anda dispersa? A que veio à luz, ou a que ainda é noite? A que é fortaleza ou fragmentado coração? Aquela em ti repousada desde o início da criação ou a que veio despertar a tua encarnação? Sei, com exatidão plena, tudo o que não sei. Amo com paixão extrema tudo

o que não amei, em vez de anunciar, vou cobrir um rosto na multidão, reuni-lo não como as frutas num cesto, mas como as sementes do fruto. É mais fácil ao corpo do que a alma tornar-se espírito, a alma reluta. Ninguém pode invocar a água e estar desunido, ninguém pode fechar o vento por entre as pedras, ninguém encarcera do amor a degustação." 

Esta é a nossa homenageada de hoje e eu quero dizer, nestes momentos finais da minha participação que eu tive um imenso prazer em poder oferecer para a Senhora este Prêmio Literário Érico Veríssimo, principalmente quando aqui está presente o maior seguidor de Érico Veríssimo, seu filho a quem tanto nós admiramos. A Senhora então que continue assim com a sua poesia e também com o seu jeito bem amigo, bem humano de fazer as pessoas felizes. Parabéns. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Pediríamos que o Ver. Airto Ferronato, 1º Vice-Presidente da Casa, assumisse a Presidência dos trabalhos, enquanto registramos as presenças dos Vereadores Ervino Besson e Isaac Ainhorn.

 

O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Concedemos a palavra ao Ver. Antonio Hohlfeldt, que falará em nome da sua Bancada, o PT e pela Bancada do PFL.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: (Menciona os componentes da Mesa.) Não vou saudar todos os conhecidos que aqui estão a começar sempre pela nossa Professora Isolda Paes, porque vamos levar muito tempo, mas através da Isolda e através da minha muito particular amiga Maria da Glória Bordini, que também é a nossa homenageada através deste Prêmio Érico Veríssimo que lhe será entregue no dia 13 de dezembrro, nesta Casa, quero mencionar a todas as demais pessoas e um abraço muito especial a gurizada que está aí porque eu acho que é assim que começamos a acompanhar as coisas que acontecem na nossa Cidade, no nosso Estado, e, particularmente, participando, vendo as homenagens às pessoas que convivem, que atravessam as ruas, que pegam os ônibus e que estão em todos os lugares que nós convivemos.

O Ver. Luiz Braz, como proponente, fez um apanhado global em torno do trabalho profissional da procuradora, da escritora e da pessoa que todos nós admiramos. Eu, com muita humildade quero me cingir, fundamentalmente, ao aspecto da escritora, talvez menos do que isso, da minha amiga Maria Carpi que eu conheço há tantos e tantos anos.

Queria lembrar que na história do Rio Grande do Sul, ainda no Século passado, nesta terra tão machista, nesta terra onde só os homens tinham espaços, o primeiro nome que se registra, talvez até por contradição, é o nome de uma mulher. E é, o nome de uma mulher na poesia, que é a Delfina da Cruz, que publica um pequeno livro de poemas, certamente não impresso em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, mas no Rio de Janeiro. E, neste livro, encontramos um poema em que a mulher viúva roga do então Presidente, todo-poderoso, da Província e vencedor da guerra fraticida entre irmãos que foi a Revolução Farroupilha, ao Duque de Caxias roga que lhe pague a pensão de viúva, já que seu marido, um soldado, faleceu e ela precisa desse dinheiro para criar os seus filhos. Hoje, estamos homenageando uma mulher, mãe, que teve a coragem, exatamente, de arrostar um desafio muito semelhante que foi levar avante a sua família, os seus quatro filhos, desenvolver o seu trabalho profissional e, ainda, ter o tempo e a sensibilidade de desenvolver a sua poesia. E, como lembrou o Ver. Braz e quero fazer a leitura crítica daquela lembrança, teve, sobretudo a maior coragem de todas, de quem escreve, e, só quem escreve sabe o que é isso, de rasgar, de botar fora e de ficar apenas com aquilo que a gente considera o melhor, pior que às vezes a gente erra, mas, certamente, no caso da Maria, se errou, errou para mais, talvez tenha posto fora muita coisa boa, agora, certamente, o que salvou, daquilo que até agora nós lemos, não temos a menor dúvida de que acertou. Eu quero, justamente enfocar esse aspecto, o Prêmio Érico Veríssimo criado ainda nos anos de 1970 nesta Casa, não por um acaso traz o nome daquele que é, sem dúvida nenhuma, o maior escritor desse Estado, talvez uma situação única de escritor que fez a verdadeira crônica do Brasil e do mundo, contemporaneamente aos seus acontecimentos através de cada romance. Eu tive oportunidade, inclusive, de registrar isso num pequeno volume que escrevi em torno de Érico e que passou, inclusive, pelo crivo do Fernando, quando através da Editora Tchê, numa coleção dedicada a personalidades gaúchas, me coube exatamente abordar a obra do Érico. Eu costumo dizer que, se um dia, e isso não é tão difícil de acontecer, em última análise, se um marciano, um jupiteriano, ou um sujeito desligado da vida qualquer baixasse por aqui e precisasse muito rapidamente saber o que ocorreu nesse século e não dispusesse de muito tempo eu faria uma recomendação muito simples: "Leia Érico Veríssimo, você vai saber de tudo." Os grandes fatos da história mundial, a Segunda Guerra, as revoluções Latino-Americanas, o Vietnã, as contradições da ditadura brasileira, sob a ótica do Brasil, sob a ótica desse Brasil visto a partir do Rio Grande do Sul, sob a ótica de alguém que não foi nem da direita, nem da esquerda, mas foi sobretudo um homem ético, e essa palavra muitas vezes, incomodou muita gente. Pois é esse homem, é esse escritor, é esse intelectual que dá o nome a esse prêmio criado pela Câmara de Vereadores. Eu não conheço outra Câmara de Vereadores que criou um Prêmio semelhante. Muitas câmaras de vereadores têm diferentes homenagens, esta Casa tem, por exemplo, o título de Cidadão Emérito, aos não nascidos em Porto Alegre; ou o título de Cidadão de Porto Alegre aqueles que aqui nasceram, mas nós criamos, aqui, por decisão de diferentes vereadores, em diferentes legislaturas, certas homenagens: Érico Veríssimo aos escritores; Qorpo Santo, às pessoas do teatro; nós temos o nosso salão de artes plásticas; nesse ano formalizamos a Mostra Internacional do Cinema. Acho que é uma demonstração de que nessa Casa não discutimos apenas política no sentido mais restrito e imediato, nós fazemos política no sentido mais amplo. E, no caso do Prêmio Érico Veríssimo, é um caso inédito o de se dedicar o Prêmio que explicitamente, pela legislação diz, ao conjunto de obras, a uma autora que até então tinha, apenas um livro. Eu até comentava, com a própria Maria no outro dia, dizendo: eu, se tivesse que votar teria dúvidas, voto, não voto, porque nós muitas vezes já conhecemos situações em que o primeiro livro é uma beleza e o segundo a gente fica meio que na dúvida, o que diz ou finge que não leu, mas, evidentemente, no caso de quem lê a Maria Carpi, e sobretudo quando logo em seguida a Associação Paulista de Críticos de Arte, que, no meu entendimento é hoje, a encarregada de fazer apreciação do Movimento Cultural desse País, porque reúne profissionais na área mais ampla possível em todo o País, sem igrejinhas, sem preconceitos, mas houve votos de pessoas através de todo o País, reconhecia “Nos Gerais da Dor” o destaque de poesia do ano passado, isto nos tranqüilizava quanto à proposta do Ver. Luiz Braz, e isto fazia com que a Casa, com tranqüilidade, com absoluta garantia do que estava fazendo, ratificasse a proposta do Ver. Luiz Braz, e ratifica hoje, no gesto concreto da entrega do Diploma, que é muito humilde, mas que é o nosso agradecimento em nome da Cidade de Porto Alegre, e, eu acho que posso dizer, Maria, em nome dos leitores, os que tu já tens e aqueles que, com toda a certeza, vais ganhar ao longo do tempo. Eu queria lembrar essa trajetória da Maria, aquela Maria que foi companheira de um poeta, primeiro leitor de poesia, crítica dessa poesia, aquela Maria que assumiu uma família, aquela Maria que teve um trabalho profundamente importante na área do Judiciário, que arrostou preconceitos, que abriu portas, presídios, inclusive, como bem lembrou o Ver. Luiz Braz, e que, não contente com tudo isso, resolveu derrubar uma outra coisa, que é a tradição da poesia feminista, ou da poesia feminina, lânguida, amorosa, derramada, que se perde em reticências para fazer uma poesia forte, afirmativa, e, a exemplo daquela primeira, uma poesia de luta, uma poesia que não reivindica naquele sentido quase que doloroso de pedido, que se fazia no século passado, mas uma poesia que se afirma na condição da mulher, da cidadã e, sobretudo, da pessoa que o que dizer, e sabe a quem e como dizer. Há tempos atrás, eu estava na Livraria Vozes, ali na Rua Riachuelo, há muito tempo, e cruzávamos, a Maria e eu. E a Maria, muito timidamente, eu olhando livros, ela saía carregada com os livros, abria a bolsa e dizia: "Olha, eu fiz estes poemas, quem sabe, tu dás uma lida." Eu conhecia a Maria e dizia: "Vou ler." E eu pensava: mais uma “poeta”. Aí, quando coloquei os olhos no primeiro eu disse: "Vou ler, me dá aqui que eu vou levar."  E aí a Maria disse: "Não, estou com o livro pronto, que vai sair daqui a pouco". E aí eu fiquei de olho, pois me impressionou a limpeza, a síntese, um trabalho que deve ter levado muitos anos, porque não se faz um poema assim facilmente, sem dúvida alguma. Pois é esta escritora que estamos, hoje, aqui, homenageando. Esta escritora que tem o patrocínio no seu prêmio de Érico Verissímo, que, aqui, hoje vem representado pelo Luiz Fernando, e a época e a ocasião não podia ser mais feliz, na medida em que o Luiz Fernando é neste momento da 37ª Feira do Livro, o Patrono desta Feira, e que aliás, a Maria da Glória foi quem fez a saudação debaixo do antológico toró de abertura desta 37ª Feira do Livro, que vai ficar inesquecível na história das nossas promoções da Praça da Alfândega.

Acho que estamos vivendo, realmente, uma quinzena que é da literatura, que é do livro, e que acho que nesta Sessão ganha bons augúrios para dar certo, apesar de todas as crises, apesar de todas as dificuldades e apesar de que dos um milhão de poetas que vicejam neste país, continuam achando que poesia não vende e que ninguém lê poesia, pois acho que se lê poesia sim, alguns até meio escondido e com vergonha, mas com toda certeza se lê poesia, e sobretudo uma poesia como da Maria, se lê e não se esquece. E, é por isto que ela merece a nossa homenagem. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Queremos convidar agora, então, a Patsy Cecato e Alex Medeiros, que vão fazer uma leitura dramática, envolvendo a obra da Maria Carpi.

 

(É feita a encenação dramática.)

 

O SR. PRESIDENTE: Agradecemos a Patsy Cecato, ao Alex Medeiros pela dramatização, de partes, do novo livro da Maria Carpi.

Convidamos o Ver. Luiz Braz para proceder a entrega do Diploma, nos termos da Resolução nº 725, de 22 de outubro de 1979, que confere o Prêmio Literário Érico Veríssimo à Maria Elisa Carpi, por sua valiosa contribuição para o enriquecimento das letras nacionais.

 

(É procedida a entrega do Diploma.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convidamos o Luiz Fernando Veríssimo a passar às mãos da Maria Elisa Carpi uma pequena lembrança da Câmara, uma xícara com o brazão da cidade.

Concedemos a palavra à poetisa Maria Elisa Carpi.

 

A SRA. MARIA ELISA CARPI: (Menciona os componentes da Mesa.) Minha homenagem a vós e aos colegas do ofício do escrever e do ofício da justiça, em especial aos voltados à proclamação da prioridade absoluta dos direitos da criança e da Defensoria Pública,em seus dez anos de luta pelo acesso do pobre à plena jurisdição.

Aos amigos do ofício da vida.

Aos jovens.

Aos filhos que cotidianamente me geram: Carla, Rodrigo, Fabrício e Miguel.

Aos que me antecederam na caminhada, em especial a doce Elisa e o carbonário Leônida Carpi.

Ao patrono do prêmio que muito me honra: Érico Veríssimo, o íntegro escritor que sabia ouvir e, portanto, altear mais vida da prenhêz do silêncio, eis que “no princípio eram as coxilhas e planícies desoladas”.

Agradeço-vos as palavras e a presença.

Amigos meus, aqui venho para lembrar que o Universo inteiro é um livro de poesias, do qual nós somos, cada um em seu rosto único e irrepetível, as melhores, as mais intensas páginas.

Nem sempre escrevemos com palavras, mas com a inteira expressão corporal comprometida com o fluxo da vida. Para a poesia não é essencial o escrever. Essencial lhe é o viver.

Ocorre que, às vezes, o poeta capta a corrente com o idioma, com a música, com as cores, com a luz. Ocorre que, às vezes, ao poeta vem-lhe a jactância de assinar seu nome ao pé dos versos.

No entanto, para a poesia, não há passuidor. Nem cercas, nem divisões, nem latifúndios. Tudo lhe é bem comum e coletivo. A poesia só admite de suas dádivas, o usufruto. E em troca cada um cumpre a sua tarefa de prosseguir a linha com a persistência dos sonhos neste concerto universal.

Buscamos, ávidos, a plenitude do ser.

Por isso, não queiramos a justiça encontrá-la nos estreitos limites da lei ou do processo.

Nem a verdade contê-la nos estreitíssimos limites da razão.

Nem a beleza sorvê-la com nossa escassa apetência.

Muito menos o amor domesticá-lo em nosso diminuto coração.

Tudo tem asas e quer o infinito. Mas, como recordamos, nós somos, com nosso rosto único e irrepetível, as mais ardentes páginas.

Não somos o fogo da justiça, mas as suas achas.

Não somos a luz da verdade, mas a sua visão.

Não somos a fonte da beleza, mas os seus desalterados córregos.

Não somos todo o amor, mas a sua encarnação histórica.

A poesia quer que tenhamos abrigo aos rigores, casa às intempéries, nutrimento à fome física e espiritual. Quer que a tenhamos afeição compartilhada para contemplarmos as estrelas e concebermos filhos.

E mais quer que a nossa vestimenta não cause a desnudes de outrem. Que o nosso teto não cause o re1ento de outrem. Que o nosso alimento não seja a escassez de outrem. Que a nossa felicidade não seja o aviltamento de outrem.

Quando isso suceder, temos por rasgadas as inautênticas laudas. E as palavras serão cinzas. E o nome que as subscreve, cinzas ao vento.

Porém a poesia, livre e libertadora, a despeito dos déspotas, que a si mesmos encarceram ao tentarem encarcerar a vida, torna a brotar das soterradas sementes. E torna a  gestar os nossos passos pelos caminhos da utopia lúcida de sermos um ao outro a pátria do convívio fraterno.

Por isso, cantamos hoje uma ode, não ao Homo Faber, as mãos de todo o labor, mas uma ode aos peregrinos da esperança, ao Homo Viator.

“Ode ao Homo Viator

Benditas sejam as mãos / que jogam o grão / nos sulcos dos ventos e da criação.

Mais benditos sejam os pés / que avançam o corpo / ao limiar dos sonhos.

Benditas sejam as mãos /  que sustentam a  roldana / do poço das águas vivas.

Mais benditos sejam os pés / que seguram o corpo / à beira das profundezas.

Benditas sejam as mãos / que acalmam o rosto / amado no amante.

Mais benditos sejam os pés / que partem sem regresso / com o amor retirante.

Benditas sejam as mãos / quando cozem, costuram e aleitam / o levante do sol operário.

Mais benditos sejam os pés / pisando as incertezas / do entrante, sem itinerário.

Benditas sejam as mãos / que das cordas do sensível / concertam harmonias.

Mais benditos sejam os pés / a estalar o inaudível / das folhas secas dos ermos.

Benditas sejam as mãos / com as asas atadas / à improvável hora.

Mais benditos sejam os pés / de raízes voantes / na árvore-barco do agora.

As mãos seguram do nascimento / as rédeas, mas os pés / pressionam o ventre do galope.

As mãos abrem a porta / da claridade, mas os pés / nos introduzem ao interior da luz.”

Muito obrigada.

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Homenagens a poetas, evidentemente resultam em sessão poética, de maneira que quebramos um pouco, hoje, a tradição das nossas Sessões, mesmo em se tratando do Prêmio Érico Veríssimo, e, antes de encerrarmos a Sessão, nesta tarde, queremos registrar a presença e agradecer, do romancista, Luiz Antonio Assis Brasil, que é também um dos agraciados, com o Prêmio Érico Veríssimo, ao Poeta Zigotto e a Drª Rosa Maria Malheiros na Representação da Empresa Porto-alegrense de Turismo.

E, ao encerrarmos os trabalhos, queremos convidar a todos para os cumprimentos à nossa homenageada aqui na Mesa, inclusive os alunos da escola poderão fazer a volta pelo outro salão.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h36min.)

 

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